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Manifesto

 

o que entendemos por cultura alimentar, gastronomia e tradição.

// A cultura alimentar resulta da interpretação que os grupos humanos fizeram dos recursos existentes no território e do modo como os transformaram em alimento para obter segurança alimentar e nutricional, sustentabilidade, prazer e bem-estar. Apesar de toda a mudança na nossa sociedade e no sistema alimentar os seres humanos continuam a procurar esses atributos num alimento. 

// A utilização do conhecimento e da criatividade para a adaptação ao que o território oferecia e condicionava (inclusive do ponto de vista social e económico) incentivou a modificação química, física e organolética dos recursos de forma a estes serem úteis ao ser humano ao longo do tempo. Esse conhecimento adaptativo continua a evoluir e necessita de continuar a desempenhar o seu papel.

// A gastronomia assume-se como uma interpretação cultural do conjunto de recursos disponibilizado pelo meio natural nos diversos locais, exprimindo-se a partir de produtos gastronómicos e receituários. Sendo que a repetição destas práticas dá origem ao que podemos chamar de tradição – acabando por representar os valores simbólicos dos grupos que habitam num território.

// A criatividade e a inovação contra a escassez promoveu um modelo alimentar ao longo do mediterrâneo, e em Portugal também, que é bio diverso, sazonal e de base vegetal incluindo uma diversidade de ingredientes, conhecimentos e práticas culinárias singulares que devem ser preservadas.

// Na prática gastronómica portuguesa (tal como noutras culturas alimentares) a tradição é reflexo da existência de economias circulares prevenindo a desigualdade, promovendo a otimização dos recursos e evitando o desperdício. 

// Muita da tradição gastronómica foi produto da criatividade e inovação contra a escassez, numa lógica de sobrevivência, sustentabilidade e num enquadramento histórico, que do ponto de vista ambiental e tecnológico pode ser difícil de sustentar atualmente pelo esgotamento ou sobre exploração de recursos e pela modificação tecnológica, científica e social.

 

a tradição como evolução e a coexistência com a inovação

// A tradição gastronómica não é imutável, mas é permeável às mudanças que o tempo presente exige nos modos de vida. A tradição apenas se mantém porque, de algum modo, se renova, se adapta, se transforma, evoluindo para servir os propósitos e as necessidades das comunidades presentes.  

// Enquanto prática que serve as necessidades biológicas e culturais dos grupos humanos, a tradição pode ter de ser adaptada de acordo com os objetivos de saúde de modo a proporcionar bem-estar sustentável às comunidades. 

// A preservação da tradição gastronómica tem um valor patrimonial e histórico por si só, mas este valor pode não significar ou permitir a sobrevivência dessa mesma tradição. 

// Em determinadas circunstâncias pode valer a pena manter a tradição em paralelo com a inovação e coexistir com os novos produtos pois sem o conhecimento do que é a tradição dificilmente se consegue criar ou inovar, ou seja, adaptar o que se reconhece como próximo das comunidades atualizando e legitimando a sua função alimentar e gastronómica.

// A introdução da inovação justificada por necessidades tecnológicas, sociais, de saúde, ambientais ou culturais pode ser promovida através da experiência e saber popular ou do desenvolvimento do conhecimento científico mais atualizado.  
 
// A inovação pode ser garante da tradição ao utilizar o conhecimento científico e tecnológico para promover melhorias nos recursos existentes e para aumentar a qualidade e a quantidade promovendo a sustentabilidade ambiental, social e económica. 

 

que orientações para os agentes no terreno? 
como agir para manter a tradição sem inibir a necessária evolução e criatividade?

// A patrimonialização dos produtos e receituários com o reconhecimento do seu caráter imaterial poderá evitar a fragmentação ou até perda do conhecimento, daí ser tão importante reconhecer e registar documentalmente este aspeto da cultura popular.

// A preservação de uma cultura alimentar obriga a que o seu núcleo se mantenha, pois as comunidades humanas respondem ao que lhe é familiar. Assim, a introdução de mudanças deve ser sempre precedida de um mapeamento, no tempo e no espaço, das caraterísticas desse núcleo percebendo-se as linhas mestras que o suportam. 

// A linguagem de uma tradição, ou o conjunto de características nucleares (produtos, técnicas) que é possível conhecer, dominar e utilizar para evoluir na continuidade é um exercício importante que pode variar de produto para produto ou de território para território e que deve ser discutido e registado.

// Inovação não é fazer o novo. É saber e fazer repetidamente o mesmo e depois fazer o mesmo de outra forma.

// A introdução de novos elementos, atualmente como no passado, deverá sempre ser legitimada pelas comunidades e pelo uso que estas fazem da cultura alimentar. 

// A disseminação do conhecimento associado a produtos gastronómicos e receitas fez-se pela certeza de que a tradição não obedece a uma lógica de propriedade, é património coletivo, podendo seguir derivações de vária ordem, no tempo e no espaço. 

// A autenticidade e genuinidade dos produtos e receituário ocorre pela singularidade dos contextos de produção e pela sua integração cultural, sendo que estes também evoluem. A fixação de regras pode ter um efeito perverso na limitação da criatividade.  

// A manutenção da tradição gastronómica ou a sua inovação (quando permitem atingir objetivos de saúde, sustentabilidade ambiental ou económica) deve proporcionar a acessibilidade a todos, a inclusão e o combate à desigualdade social.

// A cultura alimentar de uma região é como o ar que respiramos, deve aprender-se desde muito cedo essencialmente pela boca, no contato com os produtos, e continuar ao longo da vida através da existência de um meio ambiente que permita e facilite a ação e ao mesmo tempo do conhecimento que valorize esta interação.

// O respeito pelo contexto da tradição (ingredientes, métodos de produção e conservação, ambiente geográfico) irá permitir que as práticas alimentares (produtos e receituário) não percam a ligação ao espaço e tempo de origem, permitindo que as mesmas cumpram os objetivos da sua existência.